domingo, 25 de maio de 2014

Vidinha


Não voltes  a dizer que me amas! Que desrespeito esse com que me tratas… Tantos anos a fazer-te o jantar e a ouvir-te ressonar para agora ouvir tão aborrecidas juras.

Guarda-as antes para a tua amante e fode-me a mim com o desejo que lhe tens. Trata-me mal, arranha-me, chama-me os piores nomes que conheces e que fariam as velhas vizinhas corarem e a tua mãe envergonhar-se, mas não voltes a encostar os teus lábios aos meus se for para os tirares no segundo seguinte.

Ah, que triste vida a minha, a de esposa amada… Quem me dera a mim antes ser violada, arrebatada, penetrada, desrespeitada, explorada, mas sentir alguma coisa! Ter o coração nas mãos por não saber se voltas ao final do dia e despir-me para ti quando a tua paixão te obriga voltar.

Quero ser mulher, quero que ames o meu corpo e não os meus livros, que queiras o meu sabor e não os meus cozinhados, que queiras estar dentro de mim e não que as crianças cheguem a casa.

(Qualquer dia fujo com o homem do talho…)

Quem estou a tentar enganar, não vou a lado nenhum… Estou presa a ti, seu homenzeco. Eu quero é ser a tua mulher, a tua serva, a tua deusa, a tua puta. Acorda! Não quero um homem sensível que me pergunte se estou a gostar, quero um homem que me rasgue a roupa e me faça gritar.

Quero uma vida em que queira acordar…

sábado, 24 de maio de 2014

Cartas de ódio


Cartas de amor… que mentirosas e falsas palavras que vagueiam pela humanidade à procura de aprovação. Poéticas e belas podem lhes ser características, mas que utópica ideia do amor, esta de que é a força das pessoas. Que triste e ingénuo pensamento. Não há nada tão desumano quanto o célebre belo amor, que revele tanto a nossa corrompida alma como o aclamado encantador amor. Esse monstro que cria guerras de corações abertos a desejarem serem devorados, a desesperarem por alguém que os comam, os consumam até à mais ínfima gota de sangue, até não restar absolutamente mais nada que possa sentir a solidão que não desaparece. Que o amor cantado romântico e navegador de mundos e tempos infinitos seja crime, seja o pior dos pecados, seja proibido e seja censurado e seja bem enterrado.

Se o amor tem de algo sincero é o ódio que faz levantar em nós. Ah, essa terrível e no entanto acolhedora mãe, sempre de braços abertos para nos receber quanto as cartas de amor não têm resposta e os nossos corações estão despedaçados. Que nos vai apertando com uma força sufocante a alma, que nos acalenta o sangue com um fervilhar insuportável, que nos cicatriza as feridas com pus por dentro, que nos dá uma força comparável a vulcões numa erupção destruidora. Que nos faz dizer aquilo que os nossos corações realmente querem dizer, não essas belas palavras mas o que pura e simplesmente sentimos dentro de nós, de forma nua e crua, sem romantismos que tapem o que quer que seja.

Arrisco-me a dizer, não há amor tão verdadeiro quanto o odioso, quanto aquele que nos faz desejar morrer e levar connosco a humanidade de poetas que nos fizeram acreditar um dia ser felizes por amor. Aquele que não finge ser altruísta à procura de alguém que o oiça, aquele que é gritado egoistamente para quem quer e não quer ouvir. Para nós e para o nosso amor.

Abaixo o amor.

Que o meu morra agora, e me leve com ele.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Diz-me.


Diz-me que estes brincos me ficam bem e que reconheces o esforço que faço para aos poucos mudar a imagem que tive durante anos e que nunca gostei. Que este casaco combina com as botas de salto alto que escolhi especialmente hoje para ficar mais alta, mais elegante por muito que os pés me ardam, só para que tenhas orgulho em estar ao meu lado na rua. Que esta camisa me faz parecer mais magra, quando a cada dia que passa aumenta a minha vontade de cortar pedaços do meu próprio corpo. E que as calças me caiem mesmo bem junto ao rabo. Diz-me que estou sexy e que me desejas, e olha para mim como se todos os meus comportamentos fossem os gestos mais sedutores de qualquer mulher que já tenha existido desde o início da humanidade. Mais do que isso, faz-me sentir uma deusa para ti. Faz-me inventar no teu olhar juras de desejo louco e ardente de quereres o meu corpo só para ti da maneira mais possessiva e dominante e fútil e física possível. Mais carnal, mais apaixonante, mais verdadeira. Mente-me. Podes mentir-me ao dizer isto tudo, mesmo sabendo que eu não vou acreditar, mesmo sabendo que vou dizer para parares com isso. Só quero ouvir essas palavras da tua boca, só quero sentir por um minuto que posso ser interessante para ti. Que talvez acredites no que dizes. Que se o disseres muitas vezes se torne real. Sou bonita. Sou atraente. Desejas-me. Diz mais uma vez, se fechar os olhos e os sentidos quase que consigo acreditar. Diz mais uma vez. Diz-me só mais uma vez.